A avaliação das vias lacrimais é um processo essencial no diagnóstico e tratamento de doenças relacionadas ao sistema lacrimal. O sistema lacrimal desempenha um papel vital na manutenção da saúde ocular, especialmente na proteção da córnea e na preservação de uma superfície ocular saudável. Problemas nas vias lacrimais podem resultar em condições como olhos secos, lacrimejamento excessivo (epífora) ou infecções recorrentes, como dacriocistite. Para os oftalmologistas, uma compreensão abrangente das técnicas de avaliação das vias lacrimais é crucial para um diagnóstico preciso e para a escolha da melhor abordagem terapêutica. Este artigo abordará os principais aspectos da avaliação das vias lacrimais, incluindo métodos de exame, indicações e possíveis diagnósticos.
Anatomia e fisiologia do sistema lacrimal
O sistema lacrimal é composto por uma rede complexa que inclui a glândula lacrimal, as glândulas acessórias, os canais lacrimais e as vias de drenagem, como os punctos lacrimais, os canalículos lacrimais e o ducto nasolacrimal. A produção lacrimal é regulada pela glândula lacrimal, localizada na parte superior e lateral da órbita, e tem a função de manter a córnea úmida e protegida contra irritações externas.
O filme lacrimal, essencial para a saúde ocular, é composto por três camadas: uma camada lipídica externa, produzida pelas glândulas de Meibômio; uma camada aquosa, que constitui a maior parte das lágrimas, secretada pela glândula lacrimal principal; e uma camada mucínica interna, produzida pelas células caliciformes da conjuntiva, que permite a adesão das lágrimas à superfície ocular. A disfunção em qualquer uma dessas camadas pode resultar em complicações oculares, como olho seco ou desconforto visual.
A drenagem das lágrimas ocorre através dos punctos lacrimais, pequenas aberturas localizadas no canto medial de cada pálpebra. A partir daí, as lágrimas são drenadas pelos canalículos lacrimais e pelo saco lacrimal até o ducto nasolacrimal, que finalmente escoa para a cavidade nasal. Uma obstrução ou anomalia em qualquer parte dessa via de drenagem pode resultar em acúmulo de lágrimas, levando a epífora e predispondo o paciente a infecções.
Importância da avaliação das vias lacrimais
A avaliação das vias lacrimais é crucial para identificar a causa subjacente de distúrbios lacrimais, como o excesso de lacrimejamento (epífora) ou a diminuição da produção lacrimal (olho seco). Uma disfunção no sistema lacrimal pode comprometer seriamente a qualidade de vida do paciente, além de aumentar o risco de complicações oculares, como ceratite ou conjuntivite crônica.
As queixas relacionadas ao lacrimejamento excessivo ou à sensação de olho seco são frequentes na prática oftalmológica, e a avaliação adequada das vias lacrimais é o primeiro passo para determinar a etiologia e propor um tratamento eficaz. A partir de uma anamnese detalhada e exames clínicos específicos, o oftalmologista pode identificar obstruções, infecções ou disfunções das glândulas lacrimais.
Métodos de avaliação clínica
Teste de Schirmer
Um dos métodos mais conhecidos para avaliar a função lacrimal é o teste de Schirmer. Esse exame simples e não invasivo mede a quantidade de produção lacrimal. Ele é particularmente útil na investigação de pacientes com suspeita de olho seco. O teste de Schirmer envolve a colocação de tiras de papel de filtro na margem inferior das pálpebras, com o paciente de olhos fechados. Após cinco minutos, a quantidade de umidade absorvida pelo papel é medida. Valores abaixo de 10 mm indicam uma produção lacrimal insuficiente, o que pode sugerir a presença de olho seco ou síndrome de Sjögren.
Esse teste pode ser realizado sem anestesia, conhecido como teste de Schirmer I, que avalia tanto a produção reflexa quanto basal de lágrimas, ou com anestesia tópica (Schirmer II), que mede exclusivamente a produção basal.
Teste de coloração com fluoresceína e lisamina verde
A avaliação da superfície ocular pode ser realizada com corantes específicos, como a fluoresceína e a lisamina verde. Esses corantes são usados para identificar áreas de desepitelização da córnea ou da conjuntiva, comuns em pacientes com olho seco. O teste de fluoresceína também é útil para avaliar o tempo de ruptura do filme lacrimal (BUT – Break-Up Time), que indica a estabilidade da lágrima na superfície ocular. Um tempo de ruptura reduzido sugere uma instabilidade do filme lacrimal, fator comum em pacientes com disfunção lacrimal.
A lisamina verde, por sua vez, cora áreas de células conjuntivais danificadas ou mortas, fornecendo uma avaliação complementar da superfície ocular e ajudando a identificar danos mais sutis, muitas vezes não detectados pela fluoresceína.
Teste de irrigação e sondagem das vias lacrimais
Para avaliar a patência das vias lacrimais de drenagem, o teste de irrigação é amplamente utilizado. Esse procedimento envolve a inserção de uma cânula no puncto lacrimal, seguida da introdução de uma solução salina. A drenagem da solução para a cavidade nasal indica que as vias lacrimais estão desobstruídas. Caso contrário, a ausência de fluxo ou refluxo de solução para o olho sugere a presença de uma obstrução nas vias lacrimais.
Nos casos de obstrução parcial ou completa das vias lacrimais, a sondagem das vias lacrimais pode ser necessária. Esse procedimento consiste na introdução de uma sonda fina nos canalículos lacrimais para tentar atravessar a obstrução. É uma técnica diagnóstica e, em alguns casos, terapêutica, especialmente em crianças com obstruções congênitas do ducto nasolacrimal.
Diagnósticos relacionados à disfunção das vias lacrimais
Obstrução do ducto nasolacrimal
A obstrução do ducto nasolacrimal é uma condição comum, especialmente em recém-nascidos e idosos. Nos recém-nascidos, a obstrução pode ser causada pela falha na abertura da membrana que cobre a extremidade inferior do ducto nasolacrimal, uma condição chamada de obstrução congênita do ducto nasolacrimal. Em adultos, a obstrução pode ser resultado de inflamações crônicas, trauma ou alterações anatômicas relacionadas ao envelhecimento.
Pacientes com obstrução do ducto nasolacrimal frequentemente apresentam epífora, secreção ocular e, em casos mais graves, dacriocistite, uma infecção do saco lacrimal que pode exigir tratamento antibiótico e, eventualmente, cirurgia.
Olho seco
O olho seco, também conhecido como doença do olho seco, é uma condição multifatorial que afeta a produção e a qualidade das lágrimas. Essa condição pode ser dividida em dois subtipos principais: olho seco evaporativo, causado principalmente pela disfunção das glândulas de Meibômio, e olho seco por deficiência aquosa, relacionado à produção insuficiente de lágrimas pela glândula lacrimal.
O diagnóstico do olho seco é baseado na combinação de sintomas clínicos e resultados de exames, como o teste de Schirmer, o tempo de ruptura do filme lacrimal e a coloração da superfície ocular. O tratamento varia de acordo com a gravidade da condição, indo desde o uso de lágrimas artificiais até intervenções cirúrgicas em casos mais avançados.
Dacriocistite
A dacriocistite é uma infecção aguda ou crônica do saco lacrimal, geralmente associada à obstrução do ducto nasolacrimal. Os sintomas incluem dor, vermelhidão e inchaço na região medial da órbita, além de secreção purulenta. O tratamento da dacriocistite aguda inclui o uso de antibióticos tópicos e sistêmicos, e, em alguns casos, drenagem cirúrgica.
Nos casos crônicos, a dacriocistorrinostomia (DCR) pode ser indicada, um procedimento cirúrgico que cria uma nova via de drenagem para as lágrimas, contornando a obstrução no ducto nasolacrimal.
Exames complementares para a avaliação das vias lacrimais
Além dos exames clínicos mencionados, há uma série de exames complementares que podem ser utilizados para uma avaliação mais detalhada das vias lacrimais, especialmente em casos de diagnóstico duvidoso ou em pacientes com suspeita de condições mais complexas.
Dacriocistografia
A dacriocistografia é um exame de imagem que envolve a injeção de um contraste radiopaco nas vias lacrimais, seguido por radiografias da região. Esse exame permite a visualização detalhada das vias de drenagem lacrimal e pode identificar obstruções ou anomalias anatômicas não detectadas por exames clínicos convencionais.
Tomografia computadorizada e ressonância magnética
Em alguns casos, especialmente em pacientes com suspeita de tumores ou lesões expansivas nas vias lacrimais, a tomografia computadorizada (TC) ou a ressonância magnética (RM) podem ser necessárias. Esses exames fornecem imagens de alta resolução da anatomia das vias lacrimais e podem ajudar a determinar a extensão de uma lesão ou obstrução.
Tratamentos e intervenções nas vias lacrimais
O tratamento das condições que afetam as vias lacrimais depende do diagnóstico específico. Em casos de obstrução congênita do ducto nasolacrimal, a massagem do saco lacrimal, conhecida como massagem de Crigler, é frequentemente recomendada nos primeiros meses de vida, com uma alta taxa de sucesso. Se a obstrução persistir, a sondagem pode ser realizada.
Para pacientes adultos com obstrução adquirida, a dacriocistorrinostomia é a cirurgia de escolha. Esse procedimento pode ser realizado por via externa ou endoscópica, e visa restaurar a drenagem adequada das lágrimas, criando uma nova comunicação entre o saco lacrimal e a cavidade nasal.
Nos casos de olho seco, o tratamento pode incluir o uso de lágrimas artificiais, pomadas lubrificantes, oclusão dos pontos lacrimais e, em casos mais graves, procedimentos cirúrgicos para melhorar a estabilidade do filme lacrimal.
A avaliação das vias lacrimais é uma parte fundamental da prática oftalmológica, especialmente em pacientes com queixas de olho seco ou lacrimejamento excessivo.